Lilo e Stitch é um filme da Disney que estreou nos cinemas em 2002. Lilo, tem 5 anos e vive com a sua irmã mais velha, Nani. Os seus pais morreram em um acidente e juntas elas estão se adaptando a essa nova realidade. Num belo dia, Lilo vai com sua irmã adotar um cachorro, o Stitch. Porém, ele é, um alienígena, reconhecido como o criminoso mais perigoso da galáxia. Como Stitch está sendo procurado pela polícia das galáxias, ele decide se fazer passar por um cachorro comum e conforme os dias vão passando ele desenvolve um laço de amizade com Lilo e Nani.
Compreendendo o Luto
A morte por acidente é entendida como uma morte violenta, isto é, uma perda de forma disruptiva, chocante e imprevisível. Estudos apontam que o luto por morte violenta aumenta a crise pessoal e a reação aguda, sentimentos de choque e incredulidade surgem no início e depois angústia, tristeza profunda, frequentemente acompanhados de raiva, culpa ou medo.
Durante o processo do Luto o enlutado pode oscilar entre perda e restauração, esse é o processo dual que permite ao enlutado visitar e ressignificar sua perda. Os estilos de Apego, também, influenciarão nessa adaptação à nova realidade.
Estudos apontam que pessoas de estilo seguro apresentam mais recursos para viver situações desafiadoras como o Luto. Isso porque, sua autopercepção é positiva, acreditam que são boas, dignas, competentes e amadas. Também, confiam nas pessoas e para elas a vida é para ser vivida.
Por outro lado, as pessoas de apego inseguro (evitativo e ambivalente) têm a percepção de serem indesejadas, indignas, desesperançadas e incapazes de ser amada. Para elas o mundo não é seguro, consequentemente a vida não merece ser vivida.
O Luto e as mudanças de papéis
Nani e Lilo, após a perda dos pais, tiveram que "crescer" mais rápido do que o esperado. A perda não é só dos pais, existem várias perdas simbólicas, o que antes não era responsabilidade delas agora é. Perante a sociedade há uma mudança importante, elas se tornam órfãs.
Essas mudanças nem sempre ficam claras no momento da perda, porém com passar dos dias o enlutado se depara com elas e em algumas situações é necessário aprender algo novo. No caso do filme, tem uma cena em que a Nani está tentando cozinhar e queima toda a comida, provavelmente essa não era a responsabilidade dela, mas diante da nova realidade ela se vê obrigada a aprender a cozinhar.
Lilo e o luto da criança
Lilo é uma criança enlutada, durante o filme vemos como está sendo sua adaptação a essa nova realidade, fica evidente que tudo está muito diferente para ela e sua irmã. No início é possível ver o quanto ela se sente inadequada e essa sensação é reforçada pelas amigas, que não são acolhedoras.
Sutilmente podemos ver que Lilo se sente culpada pela morte dos pais. Isso porque ela acredita que o peixe, fofuxo, controla o tempo. Os seus pais morreram em um acidente num dia chuvoso, logo, ela se sente responsável por alimentá-lo os dias, pois relaciona a “fome” do peixe com a mudança climática.
A sua crença pode ser: “se ele for alimentado não vai ficar bravo, logo, não vai ‘fazer’ chover e ninguém irá sofrer um acidente.” Pensamentos como esses são comuns em crianças, por isso, existem algumas orientações para falar de morte com criança (clique aqui para saber mais).
Lilo constrói uma amizade linda com o Stitch, um fato que me chama a atenção é no início do filme ela falando: "eu estou acostumada a ser deixada"; isso diz sobre a sua autopercepção, não acreditando ser merecedora de uma relação de afeto. Para mim o mais importante para que a segurança dela fosse restabelecida foi a Nani e o Stitch terem não "desistido" dela, permitindo que a auto percepção sobre si mesma mudasse.
Nani e o luto
É tão fácil julgar a Nani… — confesso que esse #cinemacomapego surgiu após eu ouvir que ela era uma irmã muito inadequada. Porém, quero te convidar a se colocar no lugar dela, além de ter que viver a perder os pais, as perdas simbólicas, ela se tornou a responsável legal da sua irmã mais nova. Acredito que isso tenha feito ela ficar mais focada na restauração e menos na perda.
Fico pensando como era sua vida antes, no filme podemos ver na parede do seu quarto vários prêmios e medalhas de campeonato de surf, isso mostra que ela provavelmente estava começando a concretizar seus sonhos de adolescente e em menos de 24 horas teve que mudar todos os seus planos.
Nani no início do filme "acreditava" que não poderia namorar, pois, não tinha tempo para isso, mas vamos ser sinceros, entrar em um relacionamento enlutada não é fácil! É preciso estar disponível para amar e ser amada. Acredito que após se conectar com a irmã, se permitir entrar em contato com a saudade dos pais e viver toda a “aventura” com Stitch, ela se permite entrar em um relacionamento, isto é, ela volta a confiar em si e no outro.
Luto, Apego e Segurança
Lilo e Nani perderam os pais, Base Segura delas. Isso aumentou a sensação de insegurança. Um fator agravante é elas "lidarem" sozinhas com o luto, sem espaço para compartilhar as emoções e pensamentos. Mas gradualmente as emoções que estavam reprimidas saem, isso faz com que elas falem da perda delas e voltem a se conectar emocionalmente. Esse movimento favorece para que uma se torne a Base Segura da outra.
A cena que elas se recordam da frase que ouvia dos pais: "Ohana quer dizer família. Família quer dizer nunca abandonar ou esquecer.", para mim, foi o que auxiliou essa conexão entre elas e isso faz parte do processo de luto, quando o enlutado se conecta com a memória da pessoa que perdeu.
O vinculo delas se restabelece e mantém cada uma no seu papel, não colocando a Nani no papel de "nova" mãe da Lilo. Quero pontuar que a relação entre irmãos/irmãs ainda é pouco estudada na psicologia, principalmente na área do Luto. Mas as pesquisas mostram que essa relação tem suas especificidades como: intimidade, segurança (para explorar o mundo) e lealdade. A identidade de pessoas que têm irmãos ou irmãs, também é alterada, exemplo, Nani é a irmã mais velha.
O filme mostra que não é fácil viver o luto. Porém, esse processo entre a saudade e planejar o futuro nos permite uma compreensão e ressignificação de nossas vidas. Nos faz repensar algumas coisas e mudar o que é necessário. Por fim, é poder repensar em como vamos viver, pois, a vida vale a pena ser vivida.
Referências: Barbosa, A. Contexto do Luto
Barbosa, A. Olhares sobre o Luto
Franco, M.H.P. O luto no século 21: Uma compreensão abrangente do fenômeno.
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